08.05.2024
Do portal da AGÊNCIA PÚBLICA
Por Giovana Girardi/@giovanagirardi
Ignorar a ciência e mutilar políticas que poderiam ajudar a lidar com a crise climática levou à tragédia do RS
A tragédia que se abate sobre o Rio Grande do Sul não tem precedentes. A quantidade de chuva que caiu nos últimos dias e ainda cai no estado é extrema e as consequências, idem. As mortes já chegaram a 90 e ainda há mais de uma centena de desaparecidos. Mais de 1 milhão de pessoas foram afetadas. Este já é considerado o maior desastre climático do estado.
Esses números impressionantes e as imagens que mais parecem de desastres provocados por furacões ou tsunamis podem gerar uma falsa ideia de raridade, de azar. “Choveu como nunca antes, não tinha como estar preparado para isso” é a frase mais usada para justificar calamidades como esta. Mas não é acaso. Já era sabido, já era esperado. E, eu sinto muito dizer isso, vai acontecer de novo. E de novo. E não só com os gaúchos.
Não me entendam como alarmista nem pessimista. A ciência alerta há muito tempo que o aumento da ocorrência de eventos extremos é uma das principais consequências das mudanças climáticas. A quantidade surreal de gás carbônico que se acumula na atmosfera – por causa das atividades humanas –, e aquece o planeta, altera todo o funcionamento do sistema climático. A Terra estar mais quente significa mais energia na equação. Calor é sinônimo de tragédia.
O Rio Grande do Sul, pela sua localização geográfica, é particularmente sensível aos fenômenos naturais El Niño e La Niña. Daí que é relativamente comum a alternância de secas e chuvas intensas por lá. Mas o aquecimento global vem piorando isso. Assim como o desmatamento. E, por mais que muito dessa nova realidade se traduza em situações que parecem nos pegar de surpresa, os cientistas já estimavam que seria assim. As tragédias consecutivas que se acumulam desde o ano passado não se deram por falta de aviso.
O site Intercept Brasil lembrou nesta segunda-feira, 6, um estudo que foi encomendado no governo Dilma que já alertava para os riscos de enchentes no Rio Grande do Sul. O projeto “Brasil 2040” falava também sobre as vulnerabilidades do agronegócio, principalmente no estado, e também das hidrelétricas, o que batia de frente com os planos de expansão elétrica do governo. Acabou sendo engavetado em 2015 sem que nenhuma medida fosse tomada a respeito (conto essa história no quinto episódio do podcast Tempo Quente, que lancei com a Rádio Novelo em 2022).
Não precisou chegar a 2040. Nem só esse estudo alertou sobre isso. Pesquisadores locais, como Francisco Aquino, climatologista da UFRGS, mostram que os eventos extremos já estão se intensificando, sem que nada tenha sido feito para evitar mortes e perdas. No ano passado, o Rio Grande do Sul já tinha sido o estado com o maior número de decretos de situação de emergência e de calamidade pública relacionados à chuva no Brasil.
Um levantamento da Agência Pública contabilizou que, ao longo do ano passado, o governo federal reconheceu, em todo o país, decretos do tipo 1.073 vezes; 433 deles foram em municípios gaúchos, cerca de 40% do total. No período, pelo menos 71 pessoas morreram em decorrência dos temporais no estado.
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Fonte:https://apublica.org/2024/05/tragedia-do-rio-grande-do-sul-era-mais-do-que-anunciada-mas-alerta-foi-ignorado/
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